terça-feira, 25 de maio de 2010

Filmes de infância (ii) - The Odd Couple

L'avventura

Antonioni está para o amor como picanha está para o feijão. Pois. É desta forma que o realizador italiano, que muito é amado por estas bandas, é visto. Este particular objecto de arte é coisa formidável, obrigatório para quem se preze. Porque o amore é múltiplo, é polifórmico, é um não-é indescritível.

A Clockwork Orange

Kubrick, já se disse... foi o maior de todos nos EUA. Pois bem, eu, para mal dos meus pecados, não falei ainda de uma obra-prima ainda mais pecadora, a santidade frutífera d'A Laranja, como eu e amigos da universidade lhes costumámos considerar quando da sua estreia. Ando às voltas com isto, se é obra-prima não há mais nada a dizer, mas com isto temos tudo para dizer. Se há algo que me desilude neste aqui é o facto de prever uma revolução ultra-violenta-ultra-sexual que idealizou um presente obscuramente perfeito. O presente que temos é uma bela merda, cheio de miúdos que, se querem sexo, ligam os favoritos XXX, ignorantes, bestas que não reconhecem o valor do cinema e deste aqui. Ah, se pelo menos o vissem!! Desabafos à parte: este é um dos meus filmes preferidos. Pronto.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

James Dean vs Marlon Brando


Para protagonizar Rebel Without a Cause, Marlon Brando foi também considerado para o papel que teria então eternizado a figura de James Dean. É interessante contudo pensarmos caso este fosse direccionado para Brando, o deliciosamente atraente Brando contra a tensão escaldante de Dean. O screen test do vídeo que deixei supra ilustra, espero que bem, a contenção que este mostraria caso fosse a personagem principal. Ai, Brando, Brando... se pelo menos desses esse beijo a outra pessoa! Ah, é importante realçar o aspecto de que este teste foi realizado muito antes do filme ser produzido, numa altura em que o actor nem tinha feito nenhum filme.

terça-feira, 18 de maio de 2010

El Ángel Exterminador

Li algures que Buñuel condena a burguesia ao inferno com este seu filme e eu não podia estar mais de acordo. A seu jeito, constrói-se aqui como que uma alegoria catastrófica sobre a degradação dos valores burgueses, com um humor evidente, quase misterioso. O surrealista insiste em mostrar-se vincadamente, pela montagem estranha, com a repetição se sequências noutros moldes que poderia fazer pensar que teria ocorrido erro de edição. E é tudo demasiado subtil, tudo demasiado actual, na minha perspectiva. Buñuel só fazia cinema porque sabia que sabia fazer cinema.

Playtime

No cinema de Tati, o cenário é a coisa mais importante do mundo, seguido das interpretações e da forma como o argumento é pegado. Aliás, toda a história se constrói a partir do visual, pelo que podemos dizer que o francês é obviamente um visionário, um cineasta nata. A maneira como a realidade e o sonho se interceptam numa cinzentíssima concepção da vida moderna é honestamente genial. Não houve nenhum outro como Jacques. Este Playtime não é uma recordação mas sim um futuro, da arquitectura vazia da contemporaneidade, do stress e do trabalho terciarizado, da perda do coração. Mas há em toda esta melancolia um suave toque de comédia, como se fosse urgente aligeirar as mentes humanas desta realidade profundamente horrível.

No cinema (iii)

Quando fui, pela primeira vez, ver Gerry, de Gus Van Sant, de que já falei aqui neste blog, tinha chegado de um dia muito cansativo de trabalho, daqueles que só quero que todos se vão foder e me deixem em paz. Cometi, pois, o suicídio de ir, como vou sempre, religiosamente ao cinema às segundas e quintas-feiras. Como dizia, fui ver Gerry em Fevereiro de 2003 numa sala praticamente vazia, só uma ou outra pessoa estavam na sala, daquele tempo Lusomundo, para ver o filme. Ora a entrada da Spiegel fascinou-me logo de início. Ver aquela estrada de pano de fundo, longínqua, fez-me esquecer o trânsito daquele dito, enfim, pôs-me em estado de transe completo. O pior foi mesmo quando esse transe se volveu noutra coisa, algo que abomino e repudio que aconteça numa sala de cinema. Aquela estrada tão longínqua continuou no meu pensamento, como para o infinito. Só quando as luzes ligaram da sala me apercebo de que tinha então adormecido e que o filme tinha já terminado. A partir desse dia, também eu não censurei mais aqueles que se punham a dormir num cinema...

Rosetta

Ainda que goste muito de L'Enfant, considero Rosetta o melhor dos irmãos Dardenne, um marginal estudo sobre a obsessão, a frustração de não conseguir ser alguém nesta europa que vivemos, moralmente imoral, VERDADEIRO. Porque o seu cinema não é documental, é ficção, a ficção que somos mas ignoramos. Chocante mas genial.

Irreversible

Se Gaspar Noé já tinha surpreendido com Seul contre Tous, é com este Irreversible que o profeta, passe-se a ironia descarada e assumida, evangeliza o apocalipse do Tempo, com um pessimismo nietzschês tão grande como o seu ego. Irreversible é duplamente horrível e duplamente perfeito.
  1. Por um lado, ACABA o filme com a visão do branco, do nada, do vazio, do COMEÇO, sucedido pela visão de Éden, paradisíaca, idílica, utópica de um mundo sem ódio, sem violência, com respeito, com nascimento da pureza que a poesia de Beethoven expressa tão bem.
  2. Por outra, INICIA o filme com a visão do preto, de tudo que o nada da continuidade representa, do FIM que este caminhará, pela visão do horror, da frustração, da legitimação da fúria, da merda.
É contando o filme de trás para a frente que o realizador goza com a cara do espectador, preconizando a sua filosofia niilista, rejeitando a existência futura de uma sociedade plena e com os direitos humanos consolidados. Para Noé, vivemos no mundo do salve-se quem puder, no mundo do fim. Vivemos (porquê? para isto?), vivemos e morremos, e vivemos para morrer. Pronto.

Banshun / 晩春

Que importância tem o casamento na vida de uma pessoa? Ontem tivemos o presidente da república a promulgar a custo a legalização do casamento gay, amanhã teremos o poligâmico. O simbolismo que está no casamento mudou, é diverso de país para país, de família para família. Lembrei-me, ontem a ver as moscas a sobrevoarem a cabeça do nosso PR, de um filme japonês que muito me agrada, seu nome é Banshun, cujo título internacional é Late Spring. Simbolismo é a palavra certa para esta obra-prima, sensível e deslumbrante, simbolismo que tanto se pode tornar opressor, com a imposição de uma convenção que não afecta a protagonista desta história, como libertador, com a fuga à mesma, à contrariedade pai/filha. Sim, de facto, não podemos deixar de pensar que este projecto cinematográfico foi alvo de uma série de outros que se lhe sucederam sobre a crise dos valores familiares, a rebelião contra a normatividade do casamento, etc. É de acessível visualização, aconselho sem dúvida.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

No cinema (ii)

É sabido que a sala de cinema é tanto o lugar predilecto dos casais mais enamorados e recém-nascidos como dos envelhecidos e ansiosos por reatar uma paixão que já se perdeu há muito. Pessoalmente, odeio estar ao lado de um desses casais, ou, pior ainda, por detrás dos mesmos e sobretudo quando ou o gajo, ou a gaja, são altos e me tapam a visão do filme. Nos primeiros anos que costumava ir ao cinema sozinho, detestava porque me distraiam. Melhor dito: ao se distraírem, enfureciam-me, porque achava, especialmente quando o filme era bom, que era uma autêntica falta de respeito. São flagrantes as situações disso mesmo:
  1. Quando acontece um plano-relâmpago de algo que merecia a total atenção já que era crucial para o posterior entendimento do filme e quando, nesse momento, casal x está a dar um beijo, W pergunta a Y o que acontecera e passam dez minutos a conversar sobre isso, entre carinhos, e perdem mais de metade que há para saber do mesmo.
  2. Quando a atmosfera musical tende para o agudo ou para o crescendo num filme de terror, W esconde a cara entre o ombro de Y e começam a partir daí nos preliminares de algo que não me apetece descrever.
  3. Quando o protagonista conquista o maior feito durante o filme e extrapola a sua felicidade com um beijo na personagem amada, W e Y sorriem após um "ohhh" e beijam-se durante 20 minutos.
Mas claro. Eu não me queixo. Quando comecei a descobrir o que era namorar, quando comecei a ter parceiros fixos e namorados que muito amei, descobri as dificuldades que era ver um filme como deve ser.  Nunca mais censurei o casal de W e Y, apesar de odiar intimamente aqueles que se põem a fazer barulhos com a saliva e os lábios. Assim, e depois de ter perdido o Children of Men sem o perceber da primeira vez, decidi a mim mesmo que sempre que fosse acompanhado com alguém "especial", esse alguém teria que ter a paciência e compreender que não posso tirar os olhos da projecção ou, em contrapartida, eu teria que fazer o sacrifício de   ir (não) ver uma bodega. A última a que fui: Avatar não-3D. Depois de sair da sala de cinema, e de sentir o bolso vazio, não deixei de sentir que me tinha prostituido.

Werckmeister harmóniák

Será difícil expressar o meu amor por Béla Tarr, o húngaro que deu a vida que o cinema contemporâneo necessitava. Inspirado por anteriores mestres, é de realçar o respeito que tem na forma como filma, com quietude e curiosidade mórbidas, os seres vivos que são parte integrantes de uma história universal, são agentes da dicotomia que Tarr gosta de fazer, entre a esperança e o desespero, entre o amor e o ódio. O silêncio que é captado e tão valorizado é o ponto de partida para o éter, a perfeição, uma das experiências mais significantes da nossa pobre vida. Num mundo onde o caos reina, não fazia sentido deixar que o ritmo do próprio filme fosse tempestuoso, vendo-o então pausadamente. É um filme parado mas perfeito, perfeito, perfeito.

2001: A Space Odyssey

Há que amar 2001. É quase que obrigatório. Aliás, como todo o trabalho de Kubrick, que tive já a oportunidade de afirmar que foi e será sempre o melhor realizador norte-americano de sempre. Há nesta odisseia, parábola de ficção-científica, alegoria epo-lírica do universo, um alcance do inacessível mais inacessível do mais inacessível. Por outras palavras, não há palavras para descrever o que é sentir 2001, o que é viver o espaço de Kubrick. Aqui, vemos a desconstrução de toda uma humanidade nas circunstâncias mais inacreditáveis, o aceder a um prenúncio místico sobre um futuro misterioso, como o é e será sempre aquele pedaço de monólito. Lá reside o que de mais vital há sobre Tudo.

Os Verdes Anos

Admira-me que Os Verdes Anos, a obra inaugural da "nova onda" / nouvelle vague portuguesa (que aqui se funde com um apaixonado neo-realismo italiano), piscando tão evidentemente o olho a Salazar e superando todo um sistema que era um entrave à evolução do cinema, não tivesse sido censurado. De facto, Paulo Rocha retrata com prazer e saudosismo (o eterno sentimento lusitano) o fim da adolescência, do devaneio e da liberdade e a entrada na responsabilidade e na rigidez do mundo dos adultos, de forma tão discreta como explosiva, como que com medo, como que com ousadia. Acima de tudo, destaco a câmara, límpida e íntima, prenunciando a nova camada revolucionária que estaria para chegar. Este O Verdes Anos vale muito a pena, ainda que não sirva como precioso objecto histórico-cultural, ou como mediador para saborear a música de Carlos Paredes na totalidade do contexto surgido.

Gerry

Havia um ex-namorado que me dizia que eu devia estar num hospício por gastar o meu tempo com aquilo que ele considerava ser um filme para deficientes mentais. Ele falava de Gerry, de Gus Van Sant, e, claro, não sabia que falava. Não conhecia e seria incapaz de apreciar um Béla Tarr para poder dar o mínimo de valor a isto. A única coisa que não compreendo é a cabeça do realizador norte-americano, que gosta de alimentar mentalidades como a que dei exemplo no início do texto através de filmes-não-filmes como O Bom Rebelde, cheia de clichés e paneleirices, e depois se explode com uma obra-prima. Apesar de inspirar e expirar Tarr, como já foi dito, o experimentalismo de Sant atinge o limite e, sub-consequentemente, a perfeição, contemplando o deserto, filmando o que não é passível de ser filmado, filmando o nada, o vazio e a beleza que está no seu interior. É um tratado sobre a loucura, sobre o que é ser humano no seu limite, onde demonstra a sua realidade. E Gus acha que o Homem é naturalmente bom e altruísta. Lindíssimo, lindíssimo.